SOBRE O BLOG

Miscelânea intuitiva de gostos, sonhos, desejos, angústias, paixões e destemperamentos, e,porque não, de ódios, raivas e estresses... Miscelânea é assim: TEM DE TUDO!

Meu Diário de Bordo da solidão, meu painel de idéias e guia de entendimento, tudo misturado com humor, drama, terror, anti-corintianismo, sentimentos e doses homeopáticas de papo sério.

Chega junto, arruma um banquinho, senta aí e vem comigo!

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sexta-feira, 21 de maio de 2010

O AUTOR, O AUTOR

Hoje saí cedo de casa. Preciso colocar meus livros para funcionar, pois de nada adiantam eles estarem prontos e terminados mas esquecidos dentro de uma gaveta mofenta em um armário dentro de casa. Livros foram feitos para serem lidos, e eu, como o “pai” das crianças, tenho a obrigação moral de fazer o possível para que eles cumpram o seu papel social.
Rodei, rodei, e no início da tarde fui à “minhagráfica, pois há duas semanas não passo por e eles estão me devendo uma fornada de meus livrinhos...
Ao chegar, percebi que o responsável por eles não se encontrava, mas como sou de casa, entrei na loja e procurei por quem pudesse me informar o paradeiro de meus filhotes...
Olhei, olhei, e vi o responsável pela impressão, trabalhando atentamente em uma pilha de papéis que o haviam mandado imprimir. Como é ele quem imprime tudo, cheguei perto e questionei-o sobre os meus livros. Perguntei se ele sabia se haviam sido impressos, se estavam prontos, afinal, cadê os malditos?
Ele me olhou com uma cara de constrangido e respondeu:

-Olha, os seus livros eu não sei... O único deles do qual eu posso dizer alguma coisa é esse daqui (sacando, da gaveta de sua mesa, um exemplar dos meus, até meio surrado pelo uso). Esse aqui eu peguei na semana passada, mas vou dizendo que não vou entregar porque estou lendo de novo. Aliás, até a minha mãe está lendo... Minha irmã, o namorado dela... Você é o maior sucesso em minha casa....

Senti minha face corar. Queria estar do outro lado do balcão e dar um beijo naquele rapaz. Queria gritar bem alto:

“-O QUÊ VOCÊ DISSE? FALA MAIS ALTO QUE EU SOU SURDO...”

Senti-me o máximo, e lembrei-me do Nelson Rodrigues, na estréia do seuVestido de Noiva”, no instante exato que a peça acabou e o público começou a clamar:

-O autor, o autor, o autor...

Consta que ele, ao final da peça, saiu correndo do camarote onde se encontrava para ir ao palco e enquanto descia as escadas, ouvia o público, que clamava:

-O autor, o autor, o autor...



Ele se enrolou nas escadas e quando apareceu no salão principal, havia sumido os gritos e o clamor pelo autor, e essa foi a maior decepção da vida de Nelson: não pôde ser ovacionado pela sua obra máxima...
Uma vez imaginei como seria encontrar com alguém que estivesse “lendo-me”. Formulava o encontro, imaginava os detalhes, visualizava o momento. Pensava, e a tinha na ponta da língua, na frase certa e na postura exata que eu deveria demonstrar, sendo eu, agora, “o autor”...
É estranhoser lido”. Enquanto escrevia, jamais pensava em encontrar um homem de quem eu não sei nada dizendo ser meu . Nunca imaginei que haveria pessoas que eu não conhecia que saberiam como foi a minha primeira vez no sexo, as artes que fiz na escola ou o que penso e o que almoço...
É muito estranho saber que aquela pessoa que está falando com você sabe que você sabe tudo o que se passa em sua cabeça e o que se passou em sua vida. Jamais imaginei que isso pudesse acontecer, pois enquanto eu escrevia, via os meus leitores, todos, como gente que eu conheço e que têm meu sangue... A sensação é de estar-se nu, pois eu não saberia o que dizer se ele questionasse sobre o pseudo-suicídio ou sobre minha primeira vez...
Deixei de lado a braveza que deveria sentir por não haverem entregado meu material. Saí daquela gráfica com um material que, mesmo se buscasse por toda a vida, não encontraria facilmente. Não trazia nada nas mãos, e mesmo com elas vazias e sem o que eu havia ido buscar, sentia-me com a mais completa sensação de dever comprido que tive em toda a minha vida banal e sem sentido.
Senti ali, naquele local, junto àquele homem que opera as máquinas tendo o relógio contra si, o primeiro e mais profundo sentimento de orgulho de mim mesmo e de algo que eu havia feito por minha livre e espontânea vontade, e descobri que mesmo que nunca venha a ser um escritor de sucesso, tive com aquela pessoa mais do que poderia sonhar em meus mais megalomaníacos sonhos de glória... E naquela hora eu me senti “O AUTOR, O AUTOR...”.    

2 comentários:

Flávia disse...

E por falao nisso, está me devendo os quatro primeiros.
Pensa que esqueci, é?

Abraços

Michele Pupo disse...

Enfim acordou para a vida! Glória a Deus nas alturas!!!!!!!! rs


A propósito: meu pai acabou de ler o 400 réis e perguntou-me como nunca ouviu falar do autor de tão intrigante e deliciosa obra.

PS: Visitei o novo blog, mas confesso que continuo optando pelo Diário de Santa Helena. Aqui me sinto na casa de um velho amigo com quem posso falar de tudo e lembrar de coisas boas do passado.