SOBRE O BLOG

Miscelânea intuitiva de gostos, sonhos, desejos, angústias, paixões e destemperamentos, e,porque não, de ódios, raivas e estresses... Miscelânea é assim: TEM DE TUDO!

Meu Diário de Bordo da solidão, meu painel de idéias e guia de entendimento, tudo misturado com humor, drama, terror, anti-corintianismo, sentimentos e doses homeopáticas de papo sério.

Chega junto, arruma um banquinho, senta aí e vem comigo!

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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Conversas Trôpegas

O telefone toca:
“Quem será essa hora? Já são duas da manhã...” pensa a mulher mal-humorada, enquanto olha, olho aberto, outro fechado, o rádio-relógio ao lado da cama. Com a cara emburrada de sono, ela senta-se na cama e pega o telefone:
-Alô, quem fala?
-...
-Alô, quem fala? Tem alguém na linha?
-...
-Alô... Tem alguém na linha? Alô... Olha, se for trote, vai se f... danar!
-Oi... Aqui é o Antônio...
-Antônio? É você? O que você quer comigo, às duas horas da manhã, Antônio?
-Eu... Eu... Eu sei lá... Passei em frente a um orelhão e me deu uma vontade louca de ouvir a sua voz... Tenho algo muito importante pra lhe dizer...
-Ah, é! Uma vontade de ouvir a minha voz... E se a minha voz mandar você para... Ai, Antônio, não me obrigue a dizer nome feio... Me deixa em paz...
-Mas Marta, eu quero falar com você... É importante!
-Mas eu não quero falar com você... Nem falar, nem ouvir, nem te ver...
-Mas Marta... Eu tenho que...
-Você não tem nada! Você tem é que desligar esse te-lefone e sumir da minha vida, de uma vez por todas!
-Eu prometo que vou sumir, mas me deixa falar antes uma coisa...
-Falar coisa é o que você mais sabe... Promete, pro-mete, mas nunca cumpre, seu cretino... Não quero mais você em minha vida!
-Eu vou sair de sua vida, mas me deixa falar uma coi-sa... Prometo que é a última...
-Quero que você pare de me encher, Antônio... Me deixe em paz... Não me obrigue a falar palavrão!
-Eu não obrigo nada, Marta... Só posso falar uma coisa antes de desligar?
-O que você quer dizer? Que me ama? Que não vive sem mim? Que eu sou a mulher da sua vida? Nem me importo com o que você diz... Suas palavras não me atingem mais, Antônio! Estou blindada contra pessoas como você... Olha, Antônio, desligue esse telefone antes que eu mande você à p... Olha o que você me faz, Antônio... Eu quase falei palavrão de novo...
-Marta, me escuta...
-Escuto, nada! Eu não quero seu amor... Quero sua distância, e só! Quero que você se f... Ai, você me tira do sé-rio, Antônio!
-Me deixa falar...
-Que merda, Antônio! Puta que pariu! Pronto! Satisfei-to, agora? Falei um palavrão! Por sua culpa, quebrei minha promessa a santo Anacleto! Seu morfético! Olha o que você fez...
-Mas eu nem pude falar nada...
-Você me tira do sério mesmo morto, seu filho da p... Me deixa em paz, Antônio... Já sujou o meu lado com meu santo Anacleto... Não me obriga a sujar com Jesus e com Deus também, na mesma noite... Desliga essa merda de tele-fone... Ai, meu Deus, eu falei “merda”...
-Merda não é palavrão...
-Claro que merda é palavrão... Você já ouviu o presi-dente dizer que o país está uma merda? Não ouviu, por que “merda” é feio, é nome que não se diz... Você me fez quebrar a promessa, seu merda!
-Por que me xingou, agora?
-Para você ver que merda é palavrão! Se não fosse, não ofendia! Se eu te chamasse de “anjo” você não ficaria o-fendido! Ai, meu Deus, quebrei a merda da minha promessa...
-Posso falar?
-Ai, que m... droga, Antônio! ...Antônio: droga não é palavrão, é?
-Acho que não... Não tem a “campanha antidrogas” do governo?
-Mas não será por isso que é “antidrogas”, do tipo contra, não use, esqueça, é proibido?
-É, mas não é a palavra, e sim a substância...
-Menos mal... Já falei “merda”, não queria me sujar com mais um palavrão, né?!
-Preocupa não, que está limpa...
-Já que “droga” não é palavrão, por que droga que você me ligou, Antônio? Eu não te amo mais, eu não te quero mais, eu não gosto mais de você, eu quero que você suma!
-Posso falar, então?
-Pode, merda... Digo... “droga”!
-Só liguei para dizer que também quero que você vá à merda, que não te quero, que estou saindo há um mês com sua vizinha, aquela, loira-peituda-com-apê-no-Guarujá, que ela é muito melhor na cama que você e que você pode ficar com tudo o que deixei aí, porque eu ganho bem e não preciso das merrecas que ficaram para trás...
-Antônio... Não diga isso, Antônio...
-Bom, agora que disse o que queria, vou desligar, ok?!
-Antônio, você é o amor de minha vida, Antônio...
-Ué, mudou?
-É você quem eu amo, Antônio... Não vivo sem você... Te perdôo por qualquer traição, mesmo que tenha sido com aquela rameira da vizinha aqui da frente...
-Mas quem pediu perdão?
-Antônio, eu te aceito de volta, meu amor, meu anjo, minha vida...
-Isso que eu chamo de mudança de opinião...
-Eu fiz tudo para você voltar para mim, Antônio... Até jurei a santo Anacleto que nunca mais diria palavrão na vida, e você sabe como isso é difícil para mim, bosta...
-Sei...
-Me perdoa... Volta para mim...
-Bom, já dei meu recado, já ganhei meu dia, estraguei sua promessa, o que me garante que da parte divina não vai haver nenhuma intervenção, agora vou para casa, pois minha namorada-peituda está me esperando... Sayonará pra você...
-Antônio? Antônio? Antôôôôôôôôôônio?
Sentada na beira da cama, a mulher olha, atônita, o telefone. Percebe os contornos do aparelho, observa os furos existentes no fone. Observa a cor, o formato. Coloca-o no ouvido mais uma vez e ouve somente o tuh, tuh, tuh, da ligação desfeita. Devolve-o ao suporte, senta-se com as costas apoiadas na guarda da cama e, depois de muito pensar e refletir, diz, com voz de quem sabe o que fala:
-Que grandessíssima merda!

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