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Miscelânea intuitiva de gostos, sonhos, desejos, angústias, paixões e destemperamentos, e,porque não, de ódios, raivas e estresses... Miscelânea é assim: TEM DE TUDO!

Meu Diário de Bordo da solidão, meu painel de idéias e guia de entendimento, tudo misturado com humor, drama, terror, anti-corintianismo, sentimentos e doses homeopáticas de papo sério.

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terça-feira, 17 de junho de 2008

Seu Cláudio

Há pessoas marcam nossas vidas mesmo não querendo marcar. Algumas passam e nem deixam vestígios, não deixam marcas ou nada que possamos nos recordar ou falar sobre elas. A grande maioria das pessoas de minha vida fazem parte dessa galeria, a dos que estão lá e depois não estão e não fazem falta. Entram, fazem parte daquela época, saem da minha vida e o tempo se encarrega de levar aquelas lembranças para longe, como as águas de um rio que carregam o que nelas jogarmos...
Estranho isso. Às vezes, nem damos muita importância para uma determinada pessoa e, quando percebemos, záz, lá está ela em nossas lembranças, em nossa história, fazendo parte daquele grande álbum de recortes chamado “vida”... Os fragmentos de uma pessoa se unem aos fragmentos de outra e de uma terceira e de uma quarta, de uma quinta e sexta, e mais e mais fragmentos se unem em um álbum, que olhando-se com cuidado parece algo bagunçado e sem ordem, mas que, visto com o olhar com que normalmente observamos o cotidiano, o olhar rápido, o olhar despretensioso, vemos que aquela montanha de recortes se unem em perfeição e nos fazem tornarmo-nos algo único, um álbum cujas páginas serão diferentes de todos os outros álbuns. Aquele emaranhado de fragmentos e lembranças cria nossa identidade e nos faz únicos, mesmo que não saibamos porque uma ou outra informação fica no álbum e, às vezes, coisas importantes simplesmente não ficam...
Em meu álbum, há muitos fragmentos que não entendo, que nunca lembro que existem e na hora H aparecem do nada me ensinando o que fazer, e nisso vem a pergunta:
“De onde diabos eu aprendi isso?”
Entre esses fragmentos, um que sempre me vem à memória tem nome e dono. Veio acoplar-se em meu álbum e ficou, mas ficou com destaque e em uma folha especial... O responsável por ele, uma das poucas pessoas que me deram um conselho que ficou nítido em minha memória, chama-se seu Cláudio.
Seu Cláudio era um amigo de meu pai. Tinha lá seus 50 anos, um filho um pouco mais velho que eu e já havia passado por altos e baixos na vida. Era alguém comum, não era rico, não era pobre, não era alto nem era baixo, não se destacava em nada acima do comum, mas tinha uma tranqüilidade ao falar que me impressionava. Usava bigodes e tinha cara de que gostava de um bom papo. Aquele jeito de “vem cá, meu amigo”, que emanava de sua voz tornava-o uma pessoa com quem eu sempre queria conversar...
Um dia, estava eu com meus 17 anos, achando que o mundo já era meu e que logo, logo, reconheceriam minha liderança, quando aconteceram alguns problemas gravíssimos, que quase destruíram minha vida, os quais, aliás, eu nem me recordo quais eram. Devemos dar uma chance à mim mesmo, pois, aos 17 anos, uma espinha no nariz no dia do baile é motivo para pensarmos em suicídio...
Estava nervoso com o meu problema, seja ele qual for, quando seu Cláudio chegou perto de mim e ouviu o que eu conversava com alguém sobre aqueles tempos terríveis.
No outro dia, sem mais nem menos, ele me chamou para tomar um café.
-Odeio café!
-Um cappuccino?
-Odeio cappuccino também...
-Uma coca?
-Humm... Uma coca ia bem!
Não quis falar e achei desimportante no momento, mas nunca havia tomado um cappuccino e para mim, aquilo tinha cara de bebida de gente velha...
Fomos à padaria da esquina e tomei minha coca-cola gelada, enquanto seu Cláudio tomava seu cappuccino, me explicando:
-Sabe porque o cappuccino tem esse nome?
-Não... Nem imagino...
-Cappuccino é um monge franciscano, que tem esse nome por causa do “capuz” que trazem presos ao hábito... Sabe aqueles padres, de roupa marrom, um cintinho, um capuz, que nós vemos nos filmes?
-Sim... Sei... Eles que inventaram o café?
-Não... Deram o nome de cappuccino ao café misturado com leite e chocolate por ele ficar da cor da roupa dos frades... O nome é só por causa da cor...
Não sei porque ele me contou aquela história, visto que eu nem gostava de café, mas hoje percebo que ele só queria puxar conversa:
-Ontem, ouvi você dizendo que estava com problemas...
-Sim, estou com alguns... Brigando muito com meu pai, com minha namorada, não sei direito o que vou fazer quando acabar o colégio, estou sem dinheiro e com uma unha encravada...
-Vou te dar um conselho. Se conselho fosse bom, era vendido, mas mesmo assim, vou fazer de conta que não conhecemos essa frase horrorosa e vou dizer...
-...
-Você já ganhou algum campeonato?


Não entendi a pergunta, pois o seu Cláudio sabia que sim, aliás, ele era um de meus maiores apoiadores.
-Que pergunta, seu Cláudio...
-O que tem a pergunta?
-Ué, é tonta...
-Porque tonta?
-Porque o senhor sabe a resposta!
-Mesmo assim, quero ouvir de sua boca: você já ganhou algum campeonato?
Mesmo achando aquilo uma tontice, causada, talvez, pelo excesso de cappuccino que seu Cláudio havia tomado na vida, respondi, com voz de obviedade:
-Claro que já ganhei...
-Humm... Estamos progredindo... Então, você já foi campeão?
-Sim, seu Cláudio, eu já ganhei campeonatos, vários, aliás, e já fui campeão...
-Que bom... Bem se vê que você é um bom atleta... –disse ele, com ar de interessado, e tomando mais um gole daquele café com cor de roupa de monge.
-...
-E como foi o campeonato?
-Como assim?
-Sei lá, ganhou de um adversário, ganhou dez lutas, não tinha ninguém e ganhou sem lutar...?
-Sei lá, seu Cláudio, claro que ganhei as lutas...
-Quantas?
-Sei lá, depende do campeonato... –disse eu, já quase que desistindo da coca-cola.
-Pode ser o último: quantas lutas ganhou? Você se lembra?
-Ai, seu Cláudio, sei lá, cinco, seis...
-Cinco ou seis?
-Seis! – respondi, já perdendo a paciência, que naquela época era bem curta.
-Muito bom... Você ganhou seis lutas... Todas na mesma hora?
-Como?
-Você disse que ganhou seis lutas e foi campeão... Ganhou as seis lutas na mesma hora?
-Nossa, seu Cláudio, que pergunta! Claro que foi...
-Humm... Todas na MESMA hora? Estava lá você e os seis adversários, em cima do tatame, e você venceu todos e foi campeão? Tipo ULTIMATE FIGHT, “seis entrarão, somente um sairá”...?
-Não seu Cláudio... Foi um adversário de cada vez...
-EXATO! Um adversário de cada vez! Um por um, só você e ele no tatame. Você quer vencer TODOS ao mesmo tempo, mas para ser campeão tem de vencer um de cada vez! Pense em seus problemas como adversários, encare-os, estude-os, mas saiba que não poderá lutar com mais do que UM por vez... Esse está sendo o seu erro...
Aquelas palavras caíram como uma bomba em cima de mim. Sim, eu SEMPRE tentava lutar contra todos os problemas na mesma hora, sempre explodia e partia para cima dos que estavam contra mim, mesmo que fossem dois, mesmo que fossem dez...
Aquele conselho carrego até hoje. É raro um dia, onde surgem problemas para que eu enfrente-os, onde não penso em seu Cláudio e no que ele me disse naquele dia. Acho que foi uma lição que todos deveríamos saber e conhecer, mesmo aquele que nunca foi campeão em nada: enfrentar um problema de cada vez, da melhor forma que puder, lembrando que há outros, mas dedicando-se ao que está como prioridade naquele momento.
Seu Cláudio entrou em meu álbum como um dos meus maiores conselheiros, mesmo que eu nunca tenha dito isso à ele, e mesmo que tenha me dado apenas um conselho que ficou, que de tão útil, vale por dez. Com o tempo, evoluí e aprendi várias outras lições, até o gosto pelo cappuccino, que descobri ser uma bebida saborosa e cujo nome, não sei se vocês sabem, vem da cor da bebida, que fica igual à cor da roupa usado pelos padres franciscanos...

Um comentário:

Erich Vallim Vicente disse...

Logan, passeando pelos blogs "piracicabanos" do Blogspot encontrei o seu, e achei muito interessante o texto sobre o 'Seu Cláudio'. História bonita e bem contada. Um abraço!