SOBRE O BLOG

Miscelânea intuitiva de gostos, sonhos, desejos, angústias, paixões e destemperamentos, e,porque não, de ódios, raivas e estresses... Miscelânea é assim: TEM DE TUDO!

Meu Diário de Bordo da solidão, meu painel de idéias e guia de entendimento, tudo misturado com humor, drama, terror, anti-corintianismo, sentimentos e doses homeopáticas de papo sério.

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segunda-feira, 28 de abril de 2008

MEU DIA DE POVO

Existem muitos lugares famosos que eu gostaria de conhecer, e entre eles, muitos estão aqui, em São Paulo. Pensei comigo mesmo:
“Por que não ir, por que ir, por que não ir...”
Fui...
Iniciei minhas visitas pelo orgulho da arquitetura e da arte no Brasil. Fui conhecer o MASP!
Há anos queria conhecê-lo. Li e reli o livro “CHATÔ, O REI DO BRASIL”, umas quarenta vezes, e sei as histórias e idéias e lendas que rondam o grande museu.
Chatô queria uma “galeria de arte moderna e antiga” e para isso afundou seu império jornalístico em dívidas e contas, mas adquiriu os principais quadros e criou, por vontade própria, o MASP.
Sei a história dos quadros, sei como foram adquiridos, conheço as negociatas por trás de cada compra. Sei das festas que eram realizadas a cada nova aquisição, o motivo de terem construído o museu em São Paulo e não no Rio, as viagens e peripécias de Chatô e de Pietro Bardi pelo mundo para comprar as obras famosas...
Conhecia-o de cabo-a-rabo, mas nunca havia visitado. Havia chegado à hora de resolver esse problema... Aproveitei uma exposição de arte egípcia e, após visitar os tesouros dos Faraós, resolvi conhecer o famoso museu.
Entrei no elevador e parei na entrada, onde começavam as exposições. Havia uma linda estátua em mármore, réplica de um Michelângelo, e eu comecei a ficar feliz por estar naquele ambiente de cultura e saber.
Continuei minha expedição e adentrei em uma sala que tinha obras de Cândido Portinari. Olhei-as. Andei mais um pouco e saí daquela sala, entrando em outra, e em outra, e em mais outra.
Observava os tais quadros que conhecia, olhava-os de perto, fechava o olho esquerdo, trocava-o pelo direito, deixava de respirar com os dois olhos fechados e contava até trinta, depois os abria-os, e nada. Prendia a respiração, fechava o olho esquerdo, ficava em uma perna só, virava o pescoço em sentido anti-horário, e nada. Nada, nada, nada...
O acervo era enorme e parei e repeti meu ritual umas quarenta vezes, pelo menos. Nada vezes nada!
Cheguei ao Van Gogh. Nada. Ticiano, Raphael, Picasso, Tintoretto, Cézanne, Renoir... Mil vezes nada!
“Como pode um quadro feio daqueles custar cinco milhões de dólares?” -pensei comigo mesmo.
“O que viram no tal de Van Gogh? Ele era louco e todos ficaram loucos para comprar aquele porcaria de tela mal pintada?”
O quadro que tenho em minha sala, pintado por uma tal de Margaret, em 1977, dava show nas pinturas que vi naquele museu.
Começou com um pequeno sentimento, que foi crescendo, crescendo, tomando forma e expandindo-se em meu corpo. Senti raiva, muita raiva de tudo aquilo.
Raiva de mim mesmo, por ser tão burraldo que não entende nada de arte, quando a vê. Óbvio que o erro era meu, pois em qualquer lugar do mundo aqueles quadros são obras de artes valiosíssimas, menos para mim e meu baixo Q.I. artístico.
Sentia-me um nada. Sentia-me como alguém inculto e que merecia ser expulso do convívio da sociedade. Sentia-me o lixo que o gari recolhe com nojo, usando uma pazinha. Sentia-me, pela primeira vez na vida, POVO, no sentido amplo e mais pejorativo da palavra. Povinho, ignorante, corintiano, vazio, limitado, inculto, incapacitado.
Lembrei-me de minha mãe. Ela sim era a culpada por aquela vergonha, pois, pela segunda vez em minha vida, vi o quão limitada fora minha educação. A primeira aconteceu ainda em minha mente, quando me imaginava sendo um rock-star e descobri que não tocava nem apito de escola de samba. E agora no MASP, de forma real e irrefutável...
Sentia vergonha por estar ali.


Imaginava o faxineiro do museu, dizendo para si mesmo, ao limpar um quadro:
-Tenho di fazê meu trabaio cum maió cuidado, pusquê isso é um Van Gogui, pintado na segunda metade do século XVIII, em óio sobre tela, qui marca o início da pintura muderna nas Holanda e é a antipenurtima obra do pintô, qui foi o precussor do expressionismo nas Zoropa. Ele qui era um gênio, esse cara arretado... Eitcha, cabra da peste!
Saí daquele lugar o mais rápido possível. Poderia contaminar o local com minha burrice. Cabeça baixa, rabo entre as pernas, parei, na saída do museu, e comi um espetinho de filé por R$ 0,50. Com direito a um copo de suco de laranja, artificial, daqueles que deixam a língua laranja, grátis.
Comi com gosto, junto com os pedreiros e faxineiros e garis e sem-tetos que também banqueteavam a carne.
Eu era um deles, agora. Eu também tive meu dia de povo. Que vergonha de mim mesmo! Mas que quadrinhos mais feios, aqueles...

Um comentário:

Anônimo disse...

A-D-O-R-E-I!!!! Já tivemos uma vez uma conversa meio curta sobre arte, e lembro-me que você disse que algumas telas em que o povo fica babando o Ícaro faz melhor. Não se sinta burraldo, porque eu também me senti assim muitas vezes quando estive em museus de arte. Só não me sinto assim em museus históricos, onde cada peça respira algo de importante que aconteceu para que ela esteja ali. O conceito de arte é extremamente amplo... Quanto a ser povo, aproveite... Muitas vezes é melhor a ignorância feliz do que o conhecimento sofrido. Abração!