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Miscelânea intuitiva de gostos, sonhos, desejos, angústias, paixões e destemperamentos, e,porque não, de ódios, raivas e estresses... Miscelânea é assim: TEM DE TUDO!

Meu Diário de Bordo da solidão, meu painel de idéias e guia de entendimento, tudo misturado com humor, drama, terror, anti-corintianismo, sentimentos e doses homeopáticas de papo sério.

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sábado, 6 de outubro de 2007

DIA DAS CRIANÇAS

Acordei sorridente e esperançoso naquele dia.
Havia dois meses que aquela data era a única na qual eu pensava. Existia uma enorme lista de brinquedos rondando a minha cabeça e o que mais me deixava preocupado era o fato de eu não saber qual item, de minha enorme lista, eu ganharia. Em minha cabeça, somente uma pergunta ecoava, o dia todo, todo dia:

“O que eu vou ganhar de Dia das Crianças?”

Não me lembro do presente que ganhei no ano anterior, mas o que me lembro, o que ficou para o futuro, foi o presente que não ganhei naquele ano, naquele dia em que acordei tão sorridente e ansioso. Tinha meus 13 anos e, para meu pai, não era mais criança...
Difícil isso... Dois meses atrás, em meu aniversário, o que ganhei foram brinquedos. Alguns dias depois, cresci? Como pode ser isso?
Em minha cabeça, nada havia mudado. Era o mesmo Celso de sempre, brincava com as mesmas coisas de sempre, assistia os mesmos desenhos de sempre, mas, mesmo assim, deixei de ser a criança de sempre e tornei-me um adulto, pelo menos aos olhos de quem mandava em nossa casa. Eu era tão dependente de meus pais como fora com 10 anos, não tinha RG, não tinha namorada, não bebia e não fumava e sabia, tinha certeza de que não era adulto. Como poderia deixar de ser criança? O que eu era, então?
Hoje sei que existem crianças com 12 anos que sustentam suas famílias. Sei que existem crianças que nunca tiveram um “Dia das Crianças”. Existem crianças que já são adultas, que matam, morrem, usam drogas, se prostituem... Por mais que eu saiba, difícil seria dizer isso para aquele Celso, ansioso e esperançoso, no alto de seus 13 anos, ou a qualquer criança que estivesse em meu lugar... Por mais lógico que eu fosse, senti o baque...
Minha adolescência foi conturbada. Não me encontrava em nenhum lugar, não me enquadrava em nada. Não era de nenhuma tribo, e nem existiam muitas tribos... Não havia um lugar onde poderia me prender, gente como eu com quem conversar. Como queria ser criança de novo...
Nunca entendi o porquê de meu pai ter feito isso comigo, crescer-me assim, de uma hora para outra. Um dia dormi criança, em outro acordei homem. O curioso é que mesmo não entendendo meu pai, eu talvez não soubesse o que fazer em seu lugar. Talvez uma longa conversa reduziria a mudança brusca, de um dia para o outro, talvez não. Nunca é demais lembrar que meu pai também “dormiu” criança e “acordou” adulto, assim com eu. No fundo, ele era somente um moleque, assim como o filho, que um dia teve de crescer à força, casou-se, e teve seus próprios filhos... Nunca lhe deram um manual de instruções sobre “Como Ser Um Pai”, assim como não ganhei o meu de “Como Ser Homem”. É como diz a música:

“Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo.
São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer “

Sei que parece fácil, mas o que é ser homem? É pagar as contas do jantar? É ser bom de cama ou ter três mulheres ao mesmo tempo? É ter um carrão importado, uma boa casa, cachorros de raça, filhos na melhor escola?
Não sei e nunca vou saber, aliás, duvido que alguém saiba. Finjo-me adulto, ajo como adulto, mas sempre que entro nas mega-lojas de brinquedo, que não existiam em minha época, olho os produtos à venda e sonho-me brincando com eles, livre de preconceitos, agindo como eu realmente gostaria de agir. Pena que os vendedores não nos deixem em paz nessas lojas...
Quando tiver meus filhos, tentarei conversar mais com eles e, quem sabe, dar-lhes pelo menos o último presente de “Dia das Crianças”, pedindo desculpa e dizendo:

-Sinto muito, meu filho, mas você vai ter de crescer... Fizeram isso comigo e com seu avô, com seu bisavô e seu tataravô... Desculpe meu filho, mas a vida é assim... Não sei quem foi, não sei quem inventou essa coisa de “crescer”, mas uma coisa eu posso te dizer, com toda certeza: sacanearam você...

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