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Miscelânea intuitiva de gostos, sonhos, desejos, angústias, paixões e destemperamentos, e,porque não, de ódios, raivas e estresses... Miscelânea é assim: TEM DE TUDO!

Meu Diário de Bordo da solidão, meu painel de idéias e guia de entendimento, tudo misturado com humor, drama, terror, anti-corintianismo, sentimentos e doses homeopáticas de papo sério.

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quarta-feira, 8 de novembro de 2006

MEDO DE ESCURO

E já que o post anterior falava de vida, ressurgiu um outro texto do qual gosto muito... Para os que gostam de minhas crônicas, divirtam-se... Para os que não gostam, vocês não sabem o que estão perdendo...rs

MEDO DE ESCURO

Olho em minha volta e está tudo escuro, um escuro profundo, um escuro sepulcral. Não enxergo um palmo à frente de meu nariz, não enxergo nada, não sei nem onde estou...
Ouço, vindo de perto de mim, uma batida forte, compassada, tão forte que a sinto pulsando dentro de meu próprio corpo, de minha própria cabeça, de minha própria alma. Não sei de onde vem esse forte barulho, mas com o tempo ele acaba me trazendo paz ao invés do desconforto inicial. A todo o instante aquela batida está ali, junto a mim, e acho que ficaria assustado se não a ouvisse mais.
Sinto-me imobilizado, apertado, travado. Não sei onde estou, mas aqui o espaço, apesar de confortável e aconchegante, é minúsculo. É com muito esforço que estico minhas pernas ou meus braços, sempre apertado, sempre estrangulado.
Apesar das fortes batidas e do exíguo espaço onde me encontro, o que mais me dá medo é a infinita escuridão. Não saber onde estou, não saber o que há a minha volta, não saber nada...
Penso muito, mas nem sei direito quem sou. Não me lembro de ontem ou anteontem, não sei o porquê estou aqui, preso, confinado nesse lugar escuro e úmido. Qual terá sido o meu crime?
Estranho isso de não lembrar de nada... Parece que estou aqui desde sempre, que sempre existi, que sempre fiz parte deste lugar onde me encontro, mas não gosto daqui. Quero sair, mas não sei por onde...
Não me lembro de meu nome, não sei quem sou ou o que fui, não sei de onde vim ou para onde vou. Só o escuro, somente as trevas e aquela batida forte e compassada: tum, tum, tum, tum...
Às vezes, acho que ouço vozes, mas não tenho certeza do que dizem. Não sei se gritam ou falam ou se, ao menos, o que falam é para mim. Não entendo a maioria das palavras que chegam aqui nos meus ouvidos, através das paredes desta pequena prisão. Somente uma voz me chega alta e límpida, tão forte quanto aquela batida que escuto o dia todo. Uma voz que tem a força de um trovão, que invade todos os espaços em minha volta e que ouço desde todo o sempre. Talvez seja algum delírio, talvez seja Deus, me consolando, mas o certo é que sinto amor por aquela voz. Sinto que o dono daquela voz gosta de mim e quer meu bem. Grito, sempre que a ouço:
-Ei, você... Se estiver me ouvindo, me tire daqui... Estou preso, mas não fiz nada de errado... Me ajude!
Ela, a voz, não ouve e não responde. Nunca responde. Tento fazer barulho chutando as paredes de minha cela, mas acho que a pessoa que fala comigo tão alto o faz por ser surda. Geralmente os surdos gritam muito, como se todos nós fôssemos surdos como eles. A única reação, quando me mexo e grito e bato nas paredes é que me dão alguma comida. Ganho chocolates o tempo todo, mas às vezes vem saladas ou pizzas de couve-flor, que eu odeio. Como um ser humano pode gostar de pizza de couve-flor? Tenho quase certeza que me mandam isso como aviso:
-Fica quietinho aí, meu chapa, senão só comerá isso, o resto da vida!
Nessas horas fico quieto, em silêncio, fingindo dormir, mas na verdade tento escutar tudo o que dizem do lado de fora. Se ao menos eu lembrasse de onde venho... se ao menos soubesse quem eu sou... Mas por mais que esforce minha memória, nada consigo recordar. Lembro, no máximo, de uma forte luz, e de já estar aqui, preso.
Devo estar com amnésia...
As pessoas lá fora falam em russo ou alemão. Sei disso, pois não entendo patavinas do que dizem, por mais que preste atenção! Será que sou um prisioneiro de guerra? Mas, se for isso mesmo, e a Convenção de Genebra? E os Direitos Humanos? Será correto trancarem alguém em um lugar escuro, onde o Sol ou a Lua não brilham, onde nem ao menos tenho espaço para ficar em pé? Até o Fernandinho Beira-Mar tem direito a banho de Sol! Afinal, o que é Sol?
A cada dia que passa, minha cela fica menor. Sinto-a apertando-me, sinto que ficarei atrofiado para sempre se não conseguir esticar as pernas. Se ao menos alguém me ouvisse. Qual será o crime que cometi?
Deve ter sido algo bem grave...
Tenho de fugir. Não posso ficar aqui o resto de minha vida, comendo chocolate com brócolis! E a cada dia que passa, quando apuro os meus ouvidos, ouço sons mais assustadores vindos do lado de fora. Gritos, grunhidos, rangidos... Tenho medo do que irá me acontecer...
“Meu Deus, tenho que sair daqui, tenho que lutar, tenho que pensar em alguma coisa, mas como?”
A resposta a minhas súplicas não demora a tardar. Ouço uma voz bem pertinho de mim, como se estivesse dentro de minha cabeça. Uma voz macia, que me acalma, e na qual, não sei porque, sinto uma confiança cega e plena:
-Vem Ícaro, está na hora de sairmos desse lugar...
-Ir? Para onde? Não me lembro de nada, não sei onde estou... Quem é você?
-Você precisa sair, chegou a sua hora. Vou ajudá-lo de perto, vou cuidar de você enquanto ninguém cuidar, e vou olhar enquanto estiverem cuidando... Mas não temos mais tempo. Vamos, me dê à mão!
Dei a mão àquela pessoa, que não sei quem é, mas em quem eu confiava, também não sei porquê. Estou confuso. Não o conheço e nem sei como é, pois ainda continuo com a escuridão ao meu redor, mas algo me diz que ele gosta de mim, talvez tanto quando aquele Deus que me falava de vez em vez. No mais, é minha única esperança de sair daqui...
Seguimos por um longo caminho, andamos e chegamos em um longo túnel, com uma luz gostosa e suave, que, aos poucos, foi aumentando. Vi muitas pessoas nesse túnel, algumas me olhavam assustadas, outras sorriam, e vi que a pessoa para quem eu dei minha mão era enorme, gigantesco. Percebi que todos eram gigantescos. Imaginei-me morto. Estaria na presença de Deuses?
-Pronto. Agora chegou a sua vez, vai por ali...
-Obrigado... Obrigado por me ajudar... Mas posso saber quem é você?
-Vou te ajudar sempre... Sempre estarei por aqui... E eu sou seu avô!
Uma luz muito forte bate em meus olhos, e eu volto a não enxergar nada, mas agora não pelas trevas e sim pela luz, pelo clarão, pelo mundo que ilumina olhos que não haviam visto ainda... Sinto muita falta de ar, sinto meu nariz entupido e não tenho forças para respirar pela boca. Sinto o mundo girando, tudo de cabeça para baixo, e uma dor em minha bunda, tão forte, que gritei:
-Vai bater na bunda da sua mãe! Percebo que foi bom eu gritar, pois isso abriu meu nariz e consigo respirar de novo. Sinto frio, muito frio, e tremo-me todo, gritando e chorando, como se o frio fossem facas pontiagudas a me perfurar. Sinto medo, muito medo de tudo, um medo enorme e incompreensível, um medo por não saber nada e por temer saber... Sinto que aquela cela, apertada e escura era o meu bunker, meu abrigo, meu porto-seguro, e percebi que, a partir de agora, teria que me virar sozinho, com a ajuda dos que puderem me ajudar.
Ouço mais uma vez aquela voz gostosa do homem que se dizia meu avô:
-Parabéns, Ícaro... Acabas de nascer! Frio, tapas na bunda, luz forte nos olhos... Acabo de nascer... Espero que cuidem de mim direito! Mas, pensando bem, foi melhor assim. Nada nesse mundo pode ser pior do que pizza de brócolis com chocolate por toda uma existência. Já que não tenho outra saída, então que venha essa tal de VIDA!





Minha homenagem ao nascimento de meu sobrinho,
Ícaro, filho de minha irmã. Parabéns pela nova vida! Isso já faz quase três anos, mas quando vejo você, lembro desse milagre que se chama vida, e penso que o mundo ainda tem chance, basta você não fazer nada na área de exatas...

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei da sua visão..interessante...
:P
bjos

Anônimo disse...

Novamente.... mais ou menos pela milésima vez (número de vezes que li algumas partes do seu 1º livro)... vc me comoveu e facilmente me tirou lágrimas dos olhos e aquele aperto no coração.... vc continua sempre e cada vez melhor escrevendo e traduzindo maravilhosamente com detalhes sensíveis os sentimentos humanos. Certamente quando o Ícaro crescer e puder entender na íntegra, assim como eu entendi, o q vc disse nessas palavras tão sútis... vai sentir a sorte que teve em tê-lo como tio. Um grande abraço ;) Malu...