SOBRE O BLOG

Miscelânea intuitiva de gostos, sonhos, desejos, angústias, paixões e destemperamentos, e,porque não, de ódios, raivas e estresses... Miscelânea é assim: TEM DE TUDO!

Meu Diário de Bordo da solidão, meu painel de idéias e guia de entendimento, tudo misturado com humor, drama, terror, anti-corintianismo, sentimentos e doses homeopáticas de papo sério.

Chega junto, arruma um banquinho, senta aí e vem comigo!

Páginas

segunda-feira, 19 de abril de 2010

SEGUNDO MELHOR LIVRO

Dias desses, um amigo meu, diretor de uma grande editora, meu livro em punho, me disse, tapinha nas costas, sorrindo: 



-Sabe Celso, quando eu peguei o seu livro nas mãos, achei que seria uma daquelas leituras obrigatórias, que só leio porque o escritor é amigo meu e vai me encher o saco perguntando ‘o que você achou do meu livro...


 -Nossa, desculpe, não foi essa a intenção... 


 -Não, nada disso... O que eu queria dizer é que me surpreendi com o seu texto... Prende a gente, ficamos pensando em como será o desfecho, torcendo pelas maluquices que você escreveu... 


Aquelas palavras, ditas por alguém que entende do assunto, me deixaram feliz como nunca... Era o meu primeiro elogio profissional, e para mim valia quase como uma resenha positiva na Veja. Sentia-me no céu dos escritores... Flutuava no ar, leve e solto, achando-me o máximo...

Imaginação ao vento, via-me conversando com Machado de Assis, com uma intimidade que só os grandes escritores podem ter. Ele inicia o diálogo:

-Fala, Celsão... tudo em paz? O que faz aqui no céu, conosco? Veio visitar-nos? 


 -Tudo em paz, Machadão... Tenho trabalhado muito, mas tudo na santa paz... Olha, estou com um pouco de pressa, mas um dia desses precisamos sentar e conversar sobre muitas coisas... Até hoje me pergunto: será que a Capitú traiu o Bentinho? 


 -Quem não se pergunta isso, né, Celso... Então, hora dessas conversaremos...


Continuava meu passeio pelo meu novo mundo e ouvia-me dizendo, para Fernando Pessoa, que aquela coisa de “navegar é preciso, viver não é preciso” havia até ficado legal:

-Que sacada aquela, hein?! Achei bom mesmo... Eu mesmo não faria igual...
Minha mente continuava a trabalhar e observava os grandes escritores ao meu redor... Olhava para Camões e perguntava, lépido, feito serelepe (escritor que se preze adora escrever “serelepe”):

-Como vai aquele seu primo matreiro, o Pero Vaz Caminha?

Ele não entendeu a piada, mas os outros riram do que perguntei. Oswald de Andrade disse, em tom de troça:

-
Sabe que eu sempre me perguntei isso... Não serão primos distantes, esses dois expoentes, eqüidistantes em nossa história, mas tão vivos em nossa memória? 


 -Nossa, Mário... Como você é um cara poético.
.. -respondi. 


-Impressão, meu nobre amigo... Só você se importa comigo... Em minha vida, só encontrei abrigo... Em lugares onde o sol não reluz...

Pensei comigo mesmo naquilo de “lugar onde a luz não reluz”, o pensamento me levou ao longe e pensei se seria o mesmo lugar onde o sol não bate, mas meu pensamento foi interrompido:

-Sem sentido nenhum essa frase, mas mesmo assim, primordial... -disse Euclides da Cunha.

-
Tão sem sentido quanto o seu elogio, nobre Euclides... - emendou José de Alencar, não o vice, mas o escritor.

Meu interlocutor, aqui, no mundo dos vivos, continuou seu discurso, retirando-me do transe megalomaníaco em que entrei para trazer-me de volta à realidade cruel e desumana...

-Sabe Celso, adorei mesmo o seu livro... Se quiser saber a verdade, esse foi o segundo melhor livro que li no ano... E olha que eu trabalho com livros...

Em nenhum momento passou-me pela cabeça perguntar o lugar no ranking do meu livro em suas leituras. Nunca questionaria a posição que ele colocaria meu livro em sua biblioteca, pois já era um orgulho fazer parte da biblioteca de alguém que realmente entendia de livros, mas aquele “segundo melhor livro” soou-me provocador.

-Fico feliz que você gostou, Magalhães... 


 -Você me surpreendeu, Celso... 


 -É, mas não surpreendi tanto assim, afinal fui o segundo da lista, né? 


 -Olha, não é para me gabar, não, mas minha lista é muito seleta... Paulo Rabbit não entra nela, de jeito nenhum... 


 -O que mais você leu o ano passado? 


 -Mais de trezentos livros... Eu trabalho com isso, tenho de ler muito...
 -Ah... E o meu, foi o segundo que mais gostou? 


 -Sim... Você é talentosíssimo... 


 -Ah... Obrigado... 


 -Não foi elogio nenhum... É realidade... 


 -Ô, Magalhães... Me faz um favor, antes que eu tenha um enfarto...?
 -Claro, meu amigo... O que quer? 


 -Me diz uma coisa: QUEM FOI O SEU PRIMEIRO? 


 -Primeiro? Primeiro em quê? Como você sabe? Olha... AQUILO foi impulso de juventude... Na época, “flower-power”, “faça-amor-não-faça-guerra”, “LSD”, “Janis Joplin”... Quando eu vi, já havia rolado, mas o Tonhão foi algo passageiro e... 


 -...no seu ranking, Magalhães... No ranking de suas leituras no ano passado... Estou aqui me corroendo por dentro para saber qual foi o melhor livro do ano passado... Eu fui o segundo... Quem ganhou? 


 -Ah, no meu ranking de leituras.... Claro, que era no meu ranking, né? Hã... Nem sei por que pensei outra coisa... O livro... Ah, então... Falemos de literatura, né?! Não sei se você leu... O livro, aliás, nem é LIVRO, livro... É uma coletânea, mas foi a coisa mais interessante que eu li... 


 -Fala qual foi, Magalhães... 


 -O livro se chama “Os Piores Textos de Washington Olivetto”... Já leu?


Calei-me. Olhei-o no fundo dos olhos, mas nada disse. Virei-me de costas e saí da sala, cabisbaixo.

-Celso, o que foi? Celso?

Não respondi. Continuei caminhando, pensando em qual ponte seria mais alta ou onde estava a estação mais próxima do metrô, para jogar-me nos trilhos e parar São Paulo na hora do rush...

“Os Piores Textos de Washington Olivetto”...

Eu havia chegado ao céu, mas com aquele livro como o melhor do ano, percebi-me no inferno...

Washington Olivetto é o top da sofisticação. Costumo sempre dizer que se eu fosse mulher casava comigo mesmo. Completo a frase, dizendo que seu eu fosse mulher, casava comigo mesmo, desde que não conhecesse o Washington Olivetto...

Cito-o em conversas como Nelson Rodrigues citava Otto Lara Rezende. Quando quero conquistar uma mulher e vejo-a difícil, vou ao meu dicionário olivettístico:

-Acho que temos tudo para dar certo... Você bem que podia sair comigo hoje à noite... 


 -Não dá, querido... Não acho isso uma boa idéia... Você não faz o meu tipo, está meio gordinho, nem tem, ao menos, um Audi A4... 


 -“Mais difícil do que ter uma grande idéia é reconhecer uma. Especialmente se for de outra pessoa!" Essa frase é do W.O., mas eu acho que se encaixa perfeitamente aqui... 


 -W.O.? 


 -Washington Olivetto... 


-Nossa, meu Deus, como você é culto... Vou DAR pra você... VEM GARANHÃO!

Quando ouvi o nome do autor do melhor livro, percebi que não poderia concorrer com ele, e isso é insuportável! Claro que não quero ganhar de W.O., mas perdi para um livro chamado “
Os Piores Textos de Washington Olivetto”. Perder para “Os Melhores Textos...” é algo que também afetaria o meu já afetado ego, mas saberia que perdi para algo que é o “melhor” do W.O. Se perdi para algo que é o pior, imagino a lavada que tomarei quando for lançado os “Melhores Textos...”

Graças à W.O. e seu maldito livro, saí do céu dos escritores e fui ao inferno, em poucos segundos...

Olhei ao meu lado e vi Marquês de Sade, gritando:

-Perdi todos os originais que havia escrito no meu pc... Dias e dias sem dormir para dar um pau e perder tudo... Maldito Bill Gates, maldito Windows XP! Esse lugar é um inferno! 


 -Defenestrados fomos para esse lugar ermo e sombrio... Lascivos, perdidos ou buliçosos, malcontentes estaremos com essa pantomima ardilosa do destino..


Sem nem sequer olhar para o lado, já sabia que a frase partira de Rui Barbosa, pois precisaria de um dicionário para entendê-la...

-Mas o que o senhor faz por aqui, no inferno dos escritores, seu Rui? 


 -Dissertei sobre minha alienação, deste antro de futilidades, mas retorquiram-me, dizendo que algum demiurgo não entendeu patavinas das minhas garatujas... 


 -Tipo... Dá pra falar em português? 


 -Ele disse que mandou uma reclamação para o céu, pedindo para sair daqui, mas nem responderam: algum atendente não entendeu nada do que ele havia escrito, pois a letra dele é muito feia...
- ajudou-me Ulisses Guimarães... 


-Doutor Ulisses? Nem sabia que o senhor escrevia... O que está fazendo aqui? 


-Apoiei o Sarney, né? Meu castigo é ficar aqui até que ele chegue... Estou guardando lugar... E tem aquela constituição... 


 -Mas o que o Sarney fez de tão mal? 


 -Você já leu algum livro dele?
 -Não... 


 -Quando ler, vai entender... Te garanto que vai... E você, amigo? O que fez de tão mal? 


 -Olha, o problema é o seguinte: o meu texto não era nenhuma Brastemp... Como “não” dissera Washington Olivetto... 


 -W.O.? Tem um lugar reservado aqui para ele... 


 -Para o Washington? Por quê? 


 -Ele é culto, educado, sofisticado, mas é corintiano fanático... 


 -É, ninguém é perfeito... 

          

Um comentário:

Flávia disse...

Sabe, estava mesmo gostando do texto...
Vc estava indo muito bem, fui até pegar um dicionário pra decifrar o Rui Barbosa, aí vc tinha que dar uma alfinetadinha nos corintianos.
Mas tudo bem, vou continuar te perseguindo, já me viciou...


BEIJOS